Você não se importa por que escrevo. É extremamente provável que nunca tenha lida uma única palavra que coloquei no papel - ou, para ser mais preciso, na internet -, na verdade. Mas se você entrou no blog, pelo menos se interessou em meu trabalho. Aos poucos vou descobrir o espaço do blog para divulgar o que escrevo e como espaço livre, um canal de discussão com minha base de leitores. Antes, uma pergunta que me fiz seriamente, depois de alguns dias conturbados:
Por que escrevo?
Bem, porque é o mais gosto de fazer. É a primeira coisa que posso afirmar. Escrever me faz bem. Se o dia passa e o contador de palavras continua baixo, estarei de mal humor, tenha certeza. Escrevo para silenciar as vozes em minha cabeça, vozes que cantam histórias sem parar até que elas encaixem no papel. Escrevo para ganhar a vida com a palavra impressa, para abrir um caminho e me tornar um narrador melhor, uma palavra por vez.
Escrevo para me completar, enfim. É um tanto bobo, para dizer a verdade, como uma adolescente que coloca no diário o quanto pensa no garoto mais popular, como um músico que sonha em ter suas notas assobiadas nos lábios de quem espera o elevador. Sim, chega a ser um sentimento cafona. Mas é a verdade. Quando meus dedos dançam no teclado, está tudo bem. Claro, a maioria das palavras que coloco no papel fedem. É difícil criar uma boa frase ou acertar o ponto de balanço entre ritmo, caracterização e andamento num diálogo; da mesma forma, um massacre ocorre sempre que tento criar parágrafos descritivos ou introvertidos, que precisam de um texto refinado para funcionar. É difícil, difícil pra caramba.
Sentar todos os dias e vomitar palavras numa tela em branco pouco resolve: é preciso ser coeso, bem humorado, saber adicionar os elementos corretos no melhor momento possível. Apenas colar a bunda na cadeira e digitar de forma automática, mecanizada, nunca é uma boa idéia. Já acabei com duas, três… cinco mil palavras em contos que simplesmente não funcionam, monstros criados por um Frankenstein preguiçoso, que esqueceu de costurar um corpo que poderia andar por si mesmo, que tem a unidade de um ser vivo, orgânico. Por isso, o melhor que posso fazer é me preparar para longas horas na frente de um computador, ignorando o constante apelo das horas perdidas na internet, os sons chamativos de jogos eletrônicos ou os passarinhos que resolvem pulular como ervas daninhas sempre que presto atenção. Neil Gaiman disse certa vez: escrever é colocar uma palavra atrás da outra. É assim, fácil; é assim, difícil.
Mas enfim, como vim parar aqui? Sempre que percorro os anos de minha infância e adolescência, posso enxergar os indícios que inevitavelmente me colocariam nesse labirinto perigoso, inclemente e absolutamente fascinante. Partindo das mais antigas memórias, tenho um livro nas mãos. Às vezes uma HQ. Marvel ou Mônica, tanto faz. A leitura sempre fez parte de meu cotidiano. Muitas vezes eu não me contentava em espremer um minutinho ou outro de leitura sempre que dava, e a manipulação de compromissos e tarefas entregues às moscas não era incomum, deixando meu nariz enterrado em páginas amareladas por tardes inteiras. Isso ocorria principalmente nos dias chuvosos, quando o calor decretava algumas horas de trégua e eu me sentava com um livro na mão, bebida gelada na outra e lia, página depois de página, enquanto a chuva desabava no mundo que existia lá fora. Quando não estava lendo, minha mente rodeava as velhas masmorras inventadas pelo meu irmão, corredores claustrofóbicos povoados por monstros verdes, maléficos, e baús que deixavam meus olhos pintados com o brilho da ganância. Contávamos histórias até o sol raiar e chegar a hora de ir para a escola - onde eu dormia sorrateiramente até ficar pronto para jogar outra madrugada de dados rolados. Depois, voltávamos para a mesma sala, os fumantes acendiam seus bastões de câncer, eu pegava algo para mastigar e estava tudo pronto: deixem a criatividade fluir nas curvas dos jogos. Desde criança, histórias ganham vida e andam com as próprias pernas dentro de minha cabeça. Como entidades secientes que escolheram meu cérebro juvenil como lar. O resto se resumia a lançar os dados e se divertir, deixá-las amadurecer e ganhar novos contornos.
Os jogos de interpretação - RPGs - foram pilares importantes da minha vontade de escrever. Depois de montar uma ficha de personagem - sua persona dentro daquele mundo imaginado pelos jogadores -, você precisa agir de acordo. Sua personagem tem medo de altura? Não diga que correrá atrás do suspeito pelos tetos dos prédios; você sabe quem é o culpado mas seu personagem não? Abaixe esse dedo e deixe de acusar pessoas se não tem provas. Ao assumir a pele daquela personagem - a gama é vasta e você pode vestir a pele de um humano ou um vampiro, anão, elfo, orc, gnomo, lobisomem, fada… a lista continua -, você deve agir de acordo, manipular a identidade que criou e deixar a história fluir. Como num filme, onde ator e papel devem se distinguir até que a imersão seja profunda. São jogos que exigem muita leitura e um conhecimento - senão intuitivo - básico sobre narrativas e até mesmo uma pontada de psicologia. Mais livros em minhas mãos, veja só.
Assim, foi previsível a minha escolha pro cursar História, apesar de flertar com o curso de Letras.
Houve dias em que pensei que perderia os olhos, que eles fossem cair tal qual as regras de Hanna-Barbera, que teria de correr atrás deles como o faria com bolas de gude. Podia imaginar com perfeição o mundo girando enquanto os globos oculares rolavam para debaixo do sofá. Mesmo assim, era impossível largar o que estava lendo. Nem sempre era fácil - ou divertido -, mas aquela prova ou este trabalho para semana que vem me forçavam a conquistar todos os minutos que passava com o rosto enfiado nos livros. De qualquer forma, uma pessoa que resolve cursar História, concorda desde o primeiro minuto a ler mais do que um humano poderia fisicamente suportar. E se você procurar o suficiente, há sempre algo interessante para descobrir ou enxergar em qualquer livro. Mesmo que esteja tudo errado, o que já é uma grande lição.
Mas o ponto de virada está em 2011, acredito. Foi um ano difícil. O mais complicado, na verdade. De repente, minha vida de mestrando estava num mar revolto, preso dentro de um redemoinho ou rodopiando nas espirais de um furacão, onde a calmaria em seu centro não passou de uma piada de mal gosto. Estive a ponto de perder minha mente, talvez tenha encostado no monstro obscuro da depressão, não tenho certeza. Mas, ei, a vida continua e viver assim é besteira certo? Talvez eu tenha começado a escrever como uma brincadeira, uma distração que me tiraria daquele terrível outono de 2011. Quando um grande amigo - o lisboeta capixaba e nordestino do mundo inteiro Leandro Durazzo - me lançou o convite para escrever pequenos contos no Caras do Clube - em conjunto com Thiago Augusto, do Vortex Cultural -, abracei a idéia com braços de um náufrago que encontra uma madeira de bom tamanho boiando ao lado. Eram - são - contos pequenos, simples e corriqueiros. A idéia era apresentar um pequeno conto, toda sexta-feira. Claro, levei muita bronca dos outros Caras por conta do número de palavras, mas eu sempre me recusei a cortar uma história no meio. Como posso calar uma música antes de seu final? Os contos ficaram maiores e eu os dividi em partes. Até que o Clube foi perdendo a voz, talvez rouco ou cansado de conversar com cadeiras vazias. O que ficou para trás foi o hábito de colocar palavras no papel, de sentar de inventar mentiras que pareciam agradar algumas dezenas de pessoas na internet.
Escrever, descobri, é algo que cresce em suas veias. Um vírus terrível que rouba a sanidade se não o alimentar de forma adequada. Qualquer pessoa conhece alguém que tentou escrever um livro mas desistiu no meio do caminho. Pergunte para ele ou ela: a história ainda martela no fundo da mente, incomodando sempre que encontra uma brecha. De repente, a parte mais importante do meu dia era sentar e colocar as palavras em fila. Comecei a correr mais - atividade que já estava presente, mas em menor importância - e quando percebi, tudo que fazia era correr, ler e escrever.
Talvez estivesse no meio acadêmico, não fosse os problemas pessoais e uma crise que assolou Portugal com toda a fúria européia; talvez usaria outra desculpa para estar onde hoje olho o mundo, através do objetivo de um dia publicar os livros que escrevo, de ganhar a vida como escritor. Não busco riqueza ou fama, apenas a vontade de pagar as contas e colocar comida na mesa com uma atividade que é minha paixão. Claro, almejo ganhar dinheiro com minha escrita, mas o suficiente para viver bem e não mergulhar como um tio patinhas de trinta anos.
Por isso escrevo. Para aliviar minha mente, para conquistar intimamente quem realmente sou. Escrevo, pois as histórias que estão na minha mente nunca me deixariam em paz. Escrevo porque é na palavra escrita o meu caminho para conversar com você, leitor.
Por isso escrevo.